terça-feira, 22 de março de 2011

Uma respiração cansada

Uns carros passando ao largo das mangueiras

Algumas pessoas passam

Algumas pessoas sentam

O sorvete derrete no calor sonâmbulo da tarde


Os bancos se abarrotam

As lojas aguardam ansiosamente

Os restos de jornais voam pelos cantos: lidos

E os jardins se enfeitam de piúbas de cigarro



Há algo inerte na atmosfera

Há algo nesse ar preso

Talvez um grito!

Talvez um suspiro!




Um respiração cansada....

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Mesmo no silêncio

Mesmo no silêncio

eu não entendia

Sequer uma palavra

Que você dizia

Vê que conversa boa


Até mesmo

Por a gente não querer

Não se saía da calçada

Pra não se perder

Viajando por aí, à toa


Desmanchava

Cada rosa que eu lhe dava

Dissimulava

Muito choro que chorava

Todo dia me dizia,

Que me faltava

Um pouco mais de amor


Catávamos estrelas

Só para vê-las voltar

Pintávamos no chão

O céu um pouco mais pra cá

Pra te mostrar como se voa


Acabávamos o silencio

No nosso cochichar

Adiávamos nosso sono

Sonhávamos acordar

Votar pra vida boa


O que hoje nos separa é muito mais que um muro

Nem você brinca mais no céu que eu fiz

Hoje eu disfarço lágrimas num quarto escuro

Por um abraço que não pude te dar quando quis


Desmanchava

Cada rosa que eu lhe dava

Dissimulava

Muito choro que chorava

Todo dia me falava,

Que me faltava

Um pouco mais de amor

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Um Zéu não sei de quê

Essa noite vi um doido na TV

Era um tal de Zéu não sei de quê

Ele quis me dizer algo

Ele quis me falar algo

Mas não sabia como nem o quê


Peguei essa interrogação como minha

E engoli toda sua ladainha

Como uma macarronada

Um picanha mal passada

Como pirão de farinha


Não sei o que sairá dessa digestão

Nunca tinha engolido uma interrogação

Só sei que esse doido da TV

Esse Zéu não sei de que,

Não sei o que come, mas respira inspiração

domingo, 13 de julho de 2008

O ventre

Foi depois de um instante sem tempo
alguém dormia num banco de jardim
havia vinho, barato
batatas fritas e mostarda
Seriam versos soltos no bafo quente dessa noite?
seria mesmo Chico Buarque?
uma porta bate longe
um litro de vinho pela pia da cozinha
alguns tiros perdidos entre estrelas
E ela aperta o ventre e corre pro banheiro.

sábado, 19 de abril de 2008

Minha rua

Minha rua tem um silêncio longe
Silêncio de cúmplice
Nela não se toca mais o tambor de Montello
Nem nada mais

Os batuques são longe
Poucas pontes daqui
Mas nossa rua é só silêncio
Silêncio de cúmplice

Talvez o mar tenha se afastado dela
Ou a brisa não é a mais a mesma
Quem sabe como anda o correr da chuva?
Ou o simples empoeirar do tempo passando?
Como será que anda o calor
E o seu dilatar inexorável?
A quanta brota o mato por entre brechas
Quase inexistentes?
A que pernas correm o tempo,
Corre o dia, corre a noite?
A quantos gritos se desfazem infâncias,
Se fazem amores e crianças?

E a rua e seu silêncio.
Silêncio de cúmplice.

Havia só o silêncio

Havia só o silêncio
E um peso na cabeça
Apesar da conversa próxima
Apesar das crianças
Só havia o silêncio.
E um peso na cabeça.

Apesar do tilintar de copos
E dos passar dos carros
Apesar do bater de portas
E do afastar de mesas
Apesar das brigas dos gatos
Do abrir e fechar do portão
Dos uivos distantes
E da música baixinha
Havia só o silêncio
E um peso na cabeça
Apesar da felicidade óbvia
E de toda comemoração
Só havia o silêncio
E um imenso peso na cabeça.

domingo, 6 de abril de 2008

Pássaros em sons portáteis

Pássaros presos em sons portáteis
Passos lentos
Idéias voláteis

Bichos presos em papéis pregados
Sonhos fixos
Braços pesados

Olhos cegos em 15 polegadas
Mente parada
Pele rasgada

Pessoas-máquinas apenas passando
Ossos de ferro
Corações parando

- O concreto precisa de mais poesia.

domingo, 23 de março de 2008

Tarde tristonha

Esse foi um fim de tarde triste. E de uma tristeza completamente azul. Umas manchas cinzas e outras brancas, mas foi uma tristeza azul. Alguns vôos, alguns cantos. Pedestres voltando às casas. E milhares de tons azuis.


Podia ser uma aurora de Rimbaud. Ou uma noite geada de Dostoievski. Podia ser tudo, mas era um pôr-do-sol azul. Os muros, vestidos de lodo como espelho, eram azuis. As calçadas, sujas e úmidas, também eram. O asfalto negro, com seus raros pigmentos branco-arenosos, pintava-se todo de azul.


Não havia o alaranjado comum de um sol indo para a noite, fervendo de ódio. Não havia tons róseos. Nada. Só azul.


E um azul perseverante. Teimoso. Um dia azul que não anoitecia. Permanecia lá, como parecendo sonhar com o dia eterno. Um dia azul, não cinzento como esses.

Mas quando cobri-me de telhas, anoiteceu.

sábado, 8 de março de 2008

Noites de chuva

Essas noites de chuva
Sempre nos roubam o olhar

Entre um gole e outro
O olhar se perde nessas lágrimas

De que lamentam-se tanto
esses deuses ludovicences?

Qual tamanho do pranto
Tal o tamanho da dor?

Que dor é essa, minha ilha?
Que o seu céu chora horrores.

E assim que damo-nos conta
Do nosso próprio sofrimento
Afogamo-o no gosto doce do vinho
Na fumaça esparsa de um cigarro
No perder-se da loucura
E porque não,
Nas gostas do choro alheio.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Calor

Um calor ruidoso encobre a cidade
Em peles encharcadas,
Vizinhos se trancam,
Fechando-se em seus ares condicionados
Mais frescos, que roncam.

A cidade sua, anda de um lado a outro
Se põe nas portas, nos corredores, nas varandas
Tenta canalizar o que não há
Abana-se com jornais velhos
Vai à bica tentar amenizar.

Os jardins se esturricam, secos
Os canteiros morrem
Os grilos gritam por socorro
Num matagal seco, numa poça de água servida
Em qualquer desses morros.

Mas o barulho do mar, bem ao longe
Nos põe na mente a brisa,
A água gelada, a cerveja também
E enquanto a cidade ferve e derrete
Pensa no domingo que vem.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Laís

Inacabada (ou acabada as pressas, mas oportuna na data)


Como o tempo vem e me explode assim
No rosto lindo de Laís?
Me joga na cara os anos ociosos
Em dias azuis, curtos, anis

E que mais, Laís, me humilhas?
Não basta meus escassos cabelos?
Não basta minha idosa família?
Pro tempo, Laís, não se tem apelo.

E continuarão os dias
Correndo, assim, rápidos sutis
O presente fugindo do nosso tempo
Procurando o rosto lindo de Laís.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Indo para casa

O por do sol, eu vi pelo reflexo do vidro
Como se ele mesmo não existia
Eu o vi como se fosse uma imagem feita
Como que ele desistia

A vida eu vi pelo andar e passar
Daquela gente desconhecida
Indo e vindo de algum lugar
Passando assim desapercebida

Tanta gente indo
Tanta gente esperando
Tanto tudo que passa

Tudo sumindo
Tudo diminuindo:
Eu estou indo para casa

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Mundo de Cabeça de Criança

Sabedoria a tua
Sentar-se ao meio das flores
Brincando com suas pétalas
Com suas dores

E caminhar com seus passinhos
Curtos e ágeis
A viver de afagos
Doces e frágeis

Sabedoria a tua
Distribuir sorrisos e abraços
Prendendo seus loucos caídos
Em seus nós, em seus laços

E cair aos prantos
Ao mínimo desprazer
Pedindo manha
Pedindo lazer

Sabedoria a tua
Em suas cadeiras na calçada
Numa conversa inteligível
Sem pressa nem nada

Chamando-nos o nome
Gritando-nos sua vontade

Sabedoria, bastante, a tua
Trazer-me de volta
um mundo belo

Um mundo esquecido
Cheio de vida e esperança
Mundo de cabeça de criança.

domingo, 4 de novembro de 2007

Soneto Torto

Macios meus sonhos teus
Como travesseiros de pena de ganso
Apara minha queda no breu
E acalma-me a ansiedade: manso

Macio meu pouso quando descanso
Mesmo com sonhos tolos de ateu
Dentro do caudaloso de idéias: remanso
Meu sonho, macio, teu

E perante minha toda incapacidade
Frente a milhares desses sábios

Será sempre lar de minha felicidade
Ao menos em sonhos,
Seus quentes e macios lábios

Soneto Torto

Macios meus sonhos teus
Como travesseiros de pena de ganso
Apara minha queda no breu
E acalma-me a ansiedade: manso

Macio meu pouso quando descanso
Mesmo com sonhos tolos de ateu
Dentro do caudaloso de idéias: remanso
Meu sonho, macio, teu

E perante minha toda incapacidade
Frente a milhares desses sábios

Será sempre lar de minha felicidade
Ao menos em sonhos,
Seus quentes e macios lábios

domingo, 28 de outubro de 2007

...essas noites

São essas noites

São essas noites
que fazem a poesia
Nunca foram os poetas
São noites assim

São essas noites
e nossas heresias
Que derrubam cometas
E fazem felizes fins

São essas noites
que fazem a poesia
Nunca foram os poetas


Leito de manjericão

Ah se eu deitasse
nesse leito de manjericão
e pudesse ler
as entrelinhas noturnas do Maranhão

Se eu pudesse
eu tocava pandeirão
Se eu pudesse
tinha maracá na mão

Ah se eu pudesse
sonhar esses sonhos de manjericão

sábado, 20 de outubro de 2007

Pessoas Minhas

Ainda bem

É mesmo, seu juiz
A vida lhe pede às vezes
Um sonoroso foda-se
E, ainda bem,
Você não conhece a anchova na brasa
Nem o cuxá e seu arroz
Você não conhece Xico Noca....
Ah, ainda bem!
Ainda bem que não conhece o Bar do Léo
Não conhece o Antigamente
O Reviver e suas ruas de pedra e luz
A Rua da Estrela
Não conhece o Palácio dos Leões
Ave Maria, ainda bem!
Ainda bem que você não conhece Ribamar
A Maioba, Panaquatira
Não conhece Morros, Carolina
Ah meu Deus, os Lençóis....
Ufa, ainda bem.
Nem o sotaque de matraca,
O da Zabumba
Nem o da orquestra
Não conhece a ilha bela
- Que ilha bela!
Graças, ainda bem.
Porque se conheces
Meu grande chapa:
Diria um foda-se também
E virias pro Mará!


Irmãos

Relevemos o sangue
e até o DNA
Relevemos o nascimento,
a criação, o casamento
Relevemos o se criar

Não sei como,
onde, nem porquê
Se somos loucos ou sãos
Mas somos piu irmãos
Como nenhum de carne
Poderia nunca ser.


Cadê Letícia

Cadê Letícia?
Esconde-se na varanda
no brasileirinho que a mãe queria ter
Cadê Letícia?

Cadê Letícia?
Atrás do gato ou do muro
Criança linda que eu queria ser
Cadê Letícia?

Cadê Letícia?
Enquanto o mundo se tenta melhor
Ela é perfeita só em ser
Cadê Letícia?


Que não fosse....

Que não fosse essa rede
que embalasse seu sono
que fosse a brisa maranhense

Que não fosse a minha companhia bêbada
que velasse seu sono
que fosse a lua reluzente

Que não fosse essa tranqüilidade de ilhéu
que permitisse seu sono
que fosse o silencio permanente

Que não fosse esse brilho antigo
e esse calor uníssono
Queria que sonhasses comigo.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Céu Pagão

A vida tem me metido medo
Por isso escondo-me
Tão amostra, tão visto

A sorte tem partido cedo
Por isso peço-te
Não vá, não venha

Quero entender-me, azedo
Por isso provo-te
Tão doce, tão doce

Assim entendo, engano, ledo
Que te tive
Tão toda, tão minha

Mas fostes,
Nem minha,
Nem dele,
Fostes tua,
Só tua,
Como merecias a tempo

Fostes vida,
Só vida
Que nem o choro
Nem o gozo,
Te trouxeram ao chão
Eras deuza,
De um céu pagão.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Amante

Seja minha amante
Assim, com tudo
Assim como sou
Seja minha amante

Seja minha amante
Deixe-me tudo
Permita-me tudo
Seja minha amante

Seja minha amante
E de minhas mazelas
E dos meus vícios
Seja minha amante

Seja,
Simplesmente seja
E sendo tu
Serei eu
Para sempre
Teu amante

Pois o amor é do amante
E não do amado
Pois o amor
Só é amor
Minha amante
Do teu lado

domingo, 30 de setembro de 2007

O vinho

O vinho barato
parado no copo
Assiste

O tempo passado
em seu relógio
Persiste

Um tic-tac impassível
Uma lucidez impossível
Há algo impresso no ar

O velho presente
pelo menos nos loucos
Existe

E o tempo ausente
nem tanto, mas aos poucos
Desiste

Sua permissão incrível
Sua vastidão invisível
Há algo impossível em amar

E enquanto
até os anjos dormem
A vida se refaz
Num beijo, num boa noite
Num olhar para trás